Redes extracelulares de DNA na Leishmaniose tegumentar americana: proteção ou patogênese? – Notícias | INCT-DT

Notícias

Redes extracelulares de DNA na Leishmaniose tegumentar americana: proteção ou patogênese?

Walderez O Dutra & Carolina Koh

As redes extracelulares (Extracellular traps – ETs) são estruturas compostas por filamentos de DNA, proteínas nucleares (histonas) e citoplasmáticas. Foram descritas pela primeira vez em 2004 como um tipo de morte celular que está associado à resposta inflamatória e à eliminação de microrganismos (1). A existência dessa estrutura já foi demonstrada utilizando diversas técnicas como microscopia confocal e imunofluorescência, microscopia eletrônica de varredura e transmissão e, também, por meio de quantificação no sobrenadante das culturas de componentes presentes nas ETs como DNA, histonas entre outros componentes. 

A liberação dessas estruturas é chamada de etose e pode ser induzida por uma grande diversidade de moléculas como citocinas (por exemplo, a IL-8), estímulos como PMA e ionomicina, engajamento de receptores tipo toll (TLR) e até plaquetas (1). A etose já foi descrita como um mecanismo conservado evolutivamente entre as espécies e ocorre em plantas, galinhas, bovinos, felinos, entre outras. Em humanos, a primeira descrição desse fenômeno foi por neutrófilos e associou o fenômeno à capacidade dessas estruturas na contenção e eliminação de bactérias (2). A maioria dos trabalhos tem associado a ocorrência de etose `as células do sistema imune inato, como eosinófilos e monócitos. Já foi demonstrada também a importância das ETs na eliminação de parasitos causadores de doenças como a leishmaniose (3). Foi descrito que as redes extracelulares de DNA são importantes na eliminação de Leishmania através do papel microbicida das histonas. Ainda nesse contexto, já foi relatado a ocorrência de redes extracelulares em lesões de pacientes com a forma cutânea da leishmaniose, especialmente associadas aos neutrófilos (NETs), sugerindo um papel para as redes também na indução ou amplificação da inflamação na leishmaniose (3).

Estudos anteriores do nosso grupo, parte do INCT-DT, mostraram que o infiltrado inflamatório das lesões de pacientes com as formas cutânea e mucosa, provenientes de Corte de Pedra, são predominantemente formados por células mononucleares, com uma frequência muito baixa de neutrófilos e outras células polimorfonucleares.

Não obstante, durante nossos estudos, observamos estruturas compostas por DNA, muito semelhantes `as descritas no trabalho de Guimarães-Costa, onde eles relataram a presença de NETs (Figura 2). O fato de neutrófilos serem virtualmente ausentes nessas lesões nos sugeriu que células mononucleares, especialmente os linfócitos, que são predominantes nessas lesões, possam expressar ETs.

Nossos estudos mostraram que, de fato, linfócitos CD4+e CD8+ humanos podem liberar ETs e que essas estruturas, sobretudo associadas `as células T CD8+ podem ser encontradas nas lesões de pacientes com leishmaniose cutânea e mucosa. As ETs de linfócitos T apresentam componentes semelhantes aos já descritos em redes provenientes de outras células, como DNA e histonas. Porém, nossos estudos indicam que outros componentes citoplasmáticos exclusivos dos linfócitos como granzima e perforina possam estar presentes nessas estruturas. De forma importante, o aumento da quantidade de redes nas lesões foi diretamente associado `a intensidade do infiltrado inflamatório. Estudos no sentido de esclarecer o papel das ETs na possível eliminação do parasito e/ou na progressão e gravidade da leishmaniose estão sendo desenvolvidos por nosso grupo no INCT-DT. Perguntas importantes associadas ao papel dessas estruturas no sucesso ou refratariedade ao tratamento também estão sendo investigadas. Estes estudos podem apontar para novos adjuvantes potenciais da terapia convencional, melhorando o tratamento da leishmaniose humana.

Referências:

1- V. Brinkmann, U. Reichard, C. Goosmann, B. Fauler, Y. Uhlemann, D. S. Weiss, Y. Weinrauch, A. Zychlinsky, Neutrophil extracellular traps kill bacteria. Science 303, 1532–1535 (2004).
2- C. F. Urban, D. Ermet, M. Schmid,  U. Abu-Abed, C. Goosmann, W. Nacken, V. Brinkmann, P. R. Jungblut, A. Zychlinsky, Neutrophil extracellular traps contain calprotectin, a cytosolic protein complex involved in host defense against Candida albicans. PLoS Pathog. 5, e1000639 (2009).
3- A. B. Guimaraes-Costa, M. T. Nascimento, G. S. Froment, R. P. Soares, F. N. Morgado, F. Conceição-Silva, E. M. Saraiva, Leishmania amazonensis promastigotes induce and are killed by neutrophil extracellular traps. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 106, 6748–6753 (2009).
4- D. R. Faria, K. J. Gollob, J. Jr. Barbosa, A. Schriefer, P. R. Machado, H. Lessa, L. P. Carvalho, M. A. Romano-Silva, A. R. de Jesus, E. M. Carvalho, W. O. Dutra, Decreased in situ expression of interleukin-10 receptor is correlated with the exacerbated inflammatory and cytotoxic responses observed in mucosal leishmaniasis. Infect. Immun. 73, 7853–7859 (2005).